sexta-feira, 25 de setembro de 2009

SONO DAS ÁGUAS - GUIMARÃES ROSA

Há uma hora certa, no meio da noite, uma hora morta, em que a água dorme.
Todas as águas dormem: no rio, na lagoa, no açude, no brejão, nos olhos d'água, nos grotões fundos.
E quem ficar acordado, na barranca, a noite inteira, há de ouvir a cachoeira parar a queda e o choro, que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas, todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas, fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha nas placas da folhagem.
E adormece até a água fervida, nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando, e chorando, a noite toda, porque a água dos olhos nunca tem sono...

Rosa, João Guimarães, 1908-1967
Magma pags.66/67 Edit.Nova Fronteira 1997
Foto Iara do Ivaí - Lagoa da Saudade, Morro Nova Cintra, Santos SP

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